terça-feira, 27 de outubro de 2015

Por que o grito no ENEM 2015?

Não devemos nos enganar. O escândalo, o barulho do ENEM não é à toa.

Dizer que as questões são "tendenciosas" faz parte do mesmo pensamento que leva ao ataque contra os professores impetrados na lógica de que professores praticam "assédio ideológico" aos estudantes. Nessa lógica, conhecer autores, a pluralidade do pensamento e, pasmem, até os Direitos Humanos, torna-se um ato de "ideologização.

Não é por menos que o ataque se dá aos conteúdos ligados à sexualidade, à Cidadania e história de matriz africana, todos TEMAS TRANSVERSAIS e que fazem parte do currículo da Educação Básica no Brasil.

Temas que, diga-se de passagem, são abordados muito menos do que se deveria e com muito menos espaço no currículo e na escola do que o necessário para uma reflexão real e plural.

O "escândalo" feito, nada tem a ver com a postura crítica ao exame, perceba-se, ninguém nem mesmo CONTESTA a validade do exame, mas os conteúdos. Trata-se de uma busca por controlar o currículo e, consequentemente, aquilo que pode ser "dito ou não". Ao colocar como "questões de esquerda" não é uma polêmica que busca apenas deslegitimar à garantia de direitos e questões que abrangem pautas que se estendem por todo o espectro da política social com orientação para igualdade entre os seres humanos. Trata-se de criar o "monstro ideológico" que justifique a aprovação da lei ditatorial que se apresenta nos corredores do Congresso e que pode, na prática, encerrar o ensino de todas as Ciências Sociais na Escola (e até ameaçar teorias da Física e da Biologia, como Big Bang e Evolução).

Não há que se negar, toda educação e todo conteúdo É político e as questões colocadas no ENEM são conteúdos que, são sim, políticos, mas que orientam-se pelo princípio da IGUALDADE SOCIAL e pela leitura de fatos sociais. O primeiro princípio, se negado, não há porque manter-se a sociedade existente e, de fato, morre o sentido da escola. O segundo pressupõe a possibilidade de criação do novo que só se dá a partir do conhecimento do passado para que, seja pela contestação ou reforço, construa-se as possibilidades do novo.

A prova do ENEM está ganhando uma repercussão pelo que foi nela colocado sem contestação ao seu sentido "avaliativo". E essa repercussão, ainda que pareça movida por uma "raivinha", não tem nada de ingênua. E as consequências, podem ser nocivas para toda a sociedade.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Pequenas reflexões sobre educação e afeto

Hoje vou fazer um texto mais curto, pois é um tema que me aflige mais do que me causa reflexão, não sei exatamente ainda como lidar e me considero falho, talvez, seja exatamente por isso que estou falando. Trata-se do afeto na relação professor-estudante.

Já faz muitos anos que se fala que a educação é importante ferramenta social que a relação entre professor e estudante é extremamente importante no processo de ensino-aprendizagem, porém, em uma sociedade com tanta dificuldade em se relacionar com o outro, a escola também sofre com isso.

O contato com o outro é feito recheado em medo, afastamento e pensando em se proteger muito mais que se relacionar, isso sem contar com a distância e a pressa que se baseiam nossa vida, limitando o espaço-tempo do contato com o outro. Por tudo isso, a escola vai se tornando um centro nevrálgico na vida de muitos jovens, lugar de encontro e contato e, também, onde desenvolvem o afeto e se relacionam, como nos lidamos com isso?
A relação entre carinho e afeto na escola envolve necessariamente pensar também a agressividade, uma contraparte que está relacionada a relação que estabelece-se quando o afeto é pouco percebido. Como lidamos com a agressividade estudantil? O quão agressivos somos com os estudantes e o quão afetuosos somos?

É fácil notar entre os estudantes que mais buscam o tapa e as agressões traços que indicam socorro, a vontade de falar que muitas vezes calamos ao afastá-los de nós e respondermos dura e secamente. Estudantes que precisam e necessitam de um abraço, um afago e uma palavra. Mas esse é nosso papel? Muitas vezes o estudante magoa, fere e machuca, não só os estudantes, mas também o professor, como transformar uma relação dessa em uma relação de cumplicidade?

Mais uma vez, há coisas a alterarmos na nossa prática, o abraço, o carinho e até mesmo a bronca (que não pode ser só gritos enlouquecidos) devem ser práticas do professor tanto quanto o conteúdo, a condução do processo de ensino-aprendizagem e a busca por práticas transformadoras. Nisso batemos em muitos muros, seja na doença social que teme qualquer contato físico, transformando-o em ato libidinoso, seja pelo escasso tempo que se dispõe para trabalhar com cada estudante e pelo número incrivelmente alto de estudantes que os professores costumam trabalhar, sendo comum professores com mais de 200 estudantes no segundo seguimento do Ensino Fundamental.
As consequências são óbvias, os estudantes não possuem referência nos professores, aqueles que vem para o sexto ano (na rede municipal do Rio de Janeiro) sentem a falta de um professor que os conheça mais profundamente, afinal, tinham um professor que os via diariamente e agora tem professores que se revezam em algumas poucas horas por semana. Assim, como desenvolver uma relação mais profunda e de confiança? Como se não bastasse, esses professores trabalham em diversas turmas, tendo pouca capacidade de individualizar a atenção e perceber os detalhes e especificidade de cada estudante e, sem um conhecer o outro, como desenvolver o afeto?

Confesso que essa é uma dificuldade que ainda me debato todos os dias, o fato de morar próximo aos estudantes me permite um contato diferenciado, encontro-os nos fins de semana pela rua, na padaria e em pontos de ônibus, que se reflete também em uma postura que normalmente é amistosa e até bastante próxima dos estudantes, porém, lidar com o estresse profissional e o desafio de lidar com estudantes plurais, ativos e um espaço confinado que por vezes se transforma em “prisão” envolve complicações no próprio trato. Nosso trabalho envolve um contato que sempre exige de nossa empatia e vincula com a compreensão dos dilemas particulares de cada estudante. Algo que se vincula diretamente à atividades psicológicas e de assistência social, muitas vezes inexistentes na escola e proximidades.
Nesse cenário, sei que uma maior aproximação professor estudante depende fundamentalmente de um maior tempo de convívio e, em muitos casos, a presença de outros profissionais capazes de dar o suporte psicológico e social que se precisa para desenvolver a prática educacional.


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sobre as nossas práticas e nossas reflexões



Hoje vou fazer uma crítica ao trabalho docente no Brasil, talvez algo que seja fruto de certo pensamento estabelecido de “sacerdócio” ou mesmo por acharmos tão corriqueiro que não dignamos a notar o que fazemos. Somos discretos demais.

Explico, cada dia de trabalho, cada conversa com colega, vejo surgirem, acontecerem e se realizarem diversas atividades e projetos dentro da escola. São ideias gestadas pelos profissionais e estudantes que logo se realizam e se concretizam em aulas, intervenções e trabalhos. Ideias que surgem ali e, muitas vezes, nem chegam ao conhecimento de ninguém. Tal cenário leva ao desconhecimento das atividades feitas dentro da escola e, em muitos casos, ao pensamento de que “nada mudou”.

Ainda que devido à estrutura da escola e da forma como funciona algumas coisas de fato se manterem, as transformações ocorridas dentro da escola são visíveis para quem está em seu cotidiano e talvez seja esse o problema, só estão visíveis para quem lá está. A escola, como grande parte das instituições hoje em dia, sofre de dificuldade em se fazer ouvir no contexto social e, assim, muito do que ocorre nela fica nela. Mas isso deve ser revertido.

Recentemente uma experiência de grande importância na minha trajetória acadêmica e profissional demonstrou o quanto a nossa prática e nossas experimentações práticas (afinal, não é de experimentação que se faz a ciência) produzem resultados admiráveis e potentes, capazes de gerar comoção e certo apreço na comunidade científica. A realidade é: O que fazemos, nossas práticas e nossas ações são produção de conhecimento novo, calcado em substancialidade e que pode trazer novamente o vigor acadêmico para a escola, aumentando o número de sujeitos em nossas lutas e quem sabe, fazendo a educação ser mais transformadora.

Hoje o texto é um convite, vamos escrever, fotografar, filmar. Mostrar ao mundo as coisas que apaixonam nossos estudantes, pois cotidianamente criamos e produzimos materiais apaixonantes que ficam restritos a nossas salas de aula ou nossas escolas, resultando em pouco impacto no pensamento sobre a educação e abrindo espaço para os discursos de que “não se faz ada na escola”. Nossas feiras científicas, os trabalhos que desenvolvemos, jogos e brincadeiras que criamos simplesmente por estar em contato com os estudantes e que para nós são simples detalhes ou momentos corriqueiros configuram, muitas vezes, em atividades de ensino-aprendizagem ricas e criativas, que demonstram o potencial dos estudantes e da educação na transformação dos sujeitos ali presentes, seja pela valorização do potencial dos estudantes e do professor seja pelo empoderamento dado a eles no processo de produção do conhecimento.

É comum (e real) a desqualificação da fala do professor em espaços acadêmicos. Nossa fala não tem o mesmo peso de doutores docentes em universidades e nossa experiência muitas vezes padece de repercussão. A quantidade de livros, textos e artigos que procuram dizer “Como dar uma boa aula” ou “Como conquistar seu estudante” e coisas do gênero faz parecer que a prática docente pode ser ditada como um livro de auto-ajuda. O menosprezo aos profissionais que escolheram fazer da Educação Básica uma área de atuação se instala pela associação imediata que é feita entre remuneração e qualidade profissional e, sendo a Educação Básica “mau remunerada” torna-se uma percepção comum compreender que, claramente, serão maus profissionais ou, no mínimo, desinteressados e desestimulados.

Ainda que hajam momentos de frustração e revolta e que a depressão seja um problema real que aflige a classe dos professores, a realidade é que escola nenhuma se sustentaria sem ao menos três ou quatro grandes momentos por ano, capazes de produzir um momento catalisador e criativo envolvendo alguns professores e estudantes. E convenhamos, em uma atividade de caráter rotineiro ter três ou quatro atividades de destaque por ano é algo realmente significativo. E talvez o fato de não percebermos nem sermos percebidos por isso colabora em nosso processo de adoecimento mental.

Por fim, nós estamos em um espaço rico, em contato com jovens distintos e com gostos variados, a possibilidade e potencialidades de pesquisa que podem ser realizadas ali vão muito além do que se pode imaginar em outros espaços. Nossa experiência e nossa experimentação são significativas e colocam muito dos limites e possibilidades daquilo que só se pode imaginar nos espaços de reflexão e elaboração montados nas Universidades, Centros de Pesquisa e Institutos.

Nós fazemos ciência em sala de aula e, mais que isso, somos mais de trinta pessoas pensando sobre problemas e criando possibilidades de produção do novo e fazemos isso, muito mais vezes do que percebemos. Precisamos falar para que, ao menos se insistirem em não nos ouvirem, aí o erro será só de quem não nos ouvem.


Já que querem nos dizer "o que devemos fazer" vamos mostrar aquilo que estamos fazendo e cobrar a estrutura, tempo, espaço e apoio para realizarmos muito mais do que o muito que estamos sim realizando a cada dia. 

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Para que(m) serve a escola?

A compreensão da escola como uma fábrica de resultados, buscando índices e aprovações ignora todo componente humano presente ali. Em essência, a escola não serve como espaço de treinamento, mas sim como espaço de aprendizado e, como tal, precisa compreender a diversidade que envolve todo processo de produção do conhecimento, compreendendo os estudantes a partir de sua posição enquanto sujeitos e, dessa forma, compreendendo que nenhuma escola é igual a outra, assim como nenhum sujeito é igual a outro sujeito.
A compreensão da particularidade da escola é um dos grandes desafios a se pensar quando queremos de fato refletir sobre o papel da escola e de sua educação. Afinal, é a mesma coisa uma escola em um centro urbano e em uma zona rural? E uma escola em uma área favelizada e uma área enriquecida? Essa percepção joga areia nos planos e metas que buscam tratar todas as escolas como a mesma coisa, pois se cada escola tem suas particularidades não é pela comparação externa que se pode julgá-las.

Quem terá a autoridade para dizer como deve ou não funcionar uma escola são os seus integrantes. Nenhuma avaliação ou agente externo pode ser o “determinador” que dirá o melhor ou pior para uma escola. Sem a sua vivência e sem ouvir os que as integram qualquer projeto que queira dizer como “deve funcionar” a escola revela em si uma imposição ditatorial e antipedagógica.
A melhor forma de se compreender e avaliar uma escola é a partir de seu projeto político-pedagógico (o PPP), elemento hoje reduzido a um compromisso burocrático, mas que é elemento central em uma escola integrada ao seu entorno. Tentar reduzir um compromisso de construção de sociedade a uma prova de múltipla escolha é limitar o horizonte de possibilidade de transformação. E é o PPP que seria então o responsável por definir a escola e seu papel. Afinal, quais serão os projetos prioritários em determinada escola? O que desejam seus estudantes e profissionais de educação? Como tornar os responsáveis parte atuantes do cotidiano escolar?

A crença em respostas únicas ou em manuais prontos para “como fazer (escolha qualquer coisa)” dificulta a compreensão de que, em tratativas coletivas, como é o processo de aprendizagem, apenas o diálogo e a troca entre os envolvidos, com a clareza dos objetivos a serem atingidos é que pode formular um ambiente real de criação e transformação.

Tendo em si o lugar do conhecimento consolidado pela humanidade, as bandeiras da escola devem pregar pelas artes, pelos esportes, pelas ciências e pela democracia. É inegável que temos dificuldades de fazer qualquer dessas dimensões se manifestar na escola com qualidade. Isso passa muitas vezes pela dificuldade de se estabelecer canais de comunicação dentro do ambiente escolar. Num processo em que o contato é reduzido à sala de aula e os profissionais se veem de passagem, sem tempo efetivo para pensar processos e projetos de forma coletiva.

Uma escola que não se coloca nem no diálogo entre profissionais de educação e nem entre estudantes veicula exatamente que tipo de valores? Para que(m) serve essa escola que está posta? A discordância do projeto de escola vigente não pode passar pela prática individual. Uma escola se constrói como comunidade e, mudar o que está posto exige, principalmente, mudar a forma como se compreende a relação com o outro, seja ele estudante ou profissional da educação, entendendo todos como sujeitos plenos e em permanente processo de construção de si.

É importante se construir a escola a partir dos sujeitos que lá estão.

Para uma escola que deixe de ser um serviço, e se torne um "servivo".

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Sobre os negadores da ciência e a escola

 Já tem algum tempo que venho me preocupando com os grupos que contestam avanços científicos. O último que me chamou a atenção foi um grupo que defende que a Terra seria plana e que todo avanço científico seria para afirmar isso como verdade e que tal empreendimento de afirmar que a Terra é redonda é só para enganar as pessoas em prol de “algo maior”.

Os argumentos, todos dotados de pseudo-ciência e com erros crassos (como ignorar toda a ciência da Cartografia, a necessidade de uso de datum para a correção de medidas em imagens e mesmo conceitos simples de física, como inércia, atrito e, acredite, gravidade, seduzem algumas pessoas que, de fato, aceitam que “talvez isso tenha algum sentido”.

Outros exemplos, como o aquecimento global, que hoje inclusive já mobiliza um debate televisivo como se houvesse um “debate científico”, quando na realidade o grupo que critica o aquecimento global é bem restrito, se apoia em pesquisas antigas e francamente apoiadas por empresas de petróleo e combustível. O derretimento das calotas e os inúmeros dados que mostram o aquecimento, por outro lado, são tratados como “distorções” e “leviandades”.

Existe ainda o famoso e cada vez mais comum exemplo, o criacionismo que com um apoio fortemente calcado nas religiões cristãs, cresce e tenta se impor como conhecimento “científico”. Entre suas argumentações está o fato de que a humanidade tem apenas seis mil anos e de que a Terra foi criada em sete dias, sendo os dados da ciência falsos ou errôneos, especialmente a Evolução das espécies que é apresentada de forma caricata e incompleta pelos defensores do criacionismo.

Mas o que todos esses casos têm em comum? Em primeiro lugar, a negação do conhecimento científico como falso e, mais grave, a afirmação de que os cientistas mentem deliberadamente. Em segundo lugar se apoiam em explicações que não se sustentam em pesquisas nem em experimentos repetíveis. Por fim, apoiam-se em explicações muito exclusivas e específicas em cada caso para formar a base de sua argumentação sem a reflexão dos porquês envolvidos.

Esses aspectos preocupam quando falamos em educação. Penso que a educação deve ter como uma de suas preocupações o avanço do método e do pensamento científico. Tais falácias e pseudo-ciências não crescem pelo acaso, elas se criam no vácuo deixado pelo pouco conhecimento do funcionamento da ciência, que leva à fantasia de que o conhecimento científico é efetuado por “cientistas loucos” que maquinam em congressos forma de enganar as pessoas. Será que realmente estamos ensinando Ciência na escola? E quando digo ciência, falo das metodologias, técnicas e debates epistemológicos que se colocam no desenvolvimento de uma teoria e na formulação das diferentes propostas.

Quando a ciência parece um mistério, abre margens para a imaginação e a criatividade agirem e transformarem aqueles que vociferam frases enigmáticas como conspiradores, capazes de manipular a realidade ao seu bel-prazer (lembrem-se, já queimamos curandeiras simplesmente porque não entendíamos o que elas estavam fazendo). Transformar a ciência em um conhecimento acessível envolve ensinar como ela funciona e isso pode ser revolucionário não só para a escola, mas para a sociedade em geral.

Imagine equipes de botânica, agroecologia, pesquisas sociais, observação espacial, análise de fluxo de veículos que sejam compostas por 30, 40 observadores em cada bairro, todas essas acompanhadas por um cientista qualificado? Que tipo de análises poderiam ser feitas? A capacidade de chegar na escala local pela escola abriria a possibilidade de relacionar de fato as grandes teorias com o cotidiano, assim como gerar conhecimento significante para os estudantes.

Nossa preocupação em gerar um conhecimento “já pronto” por vezes ignora os potenciais de um conhecimento a ser descoberto, nada como “descobrir” a força centrípeta em jogando um ioiô ou mesmo dando um chute de trivela, ou então perceber que ao olhar pro céu podemos também fazer previsões e que, olhar de satélite pode ser entendido como “conseguir olhar mais pedaços do céu ao mesmo tempo”. Ao mesmo tempo, um certo afastamento da universidade e da sociedade em geral há um grande abismo que faz com que a divulgação científica seja precariamente desenvolvida, surgindo esporadicamente um ou outro divulgador de mais relevância de tempos em tempos.

Ao mesmo tempo, acostumamo-nos com não “buscar” o conhecimento, mas a esperar que eles cheguem pronto e, nesse ponto, a escola é sim uma grande culpada. Ao dividirmos a escola entre “professadores” e seres sem luz, acostumamos os sujeitos a aceitarem a voz de qualquer pessoa que seja “emponderada”. E aí entra o mais perigoso, basta um título (ou as vezes até mesmo uma boa retórica) para que a fala seja aceita como “verdadeira”, afinal, tem alguém professando aquilo.

Precisa-se, portanto, modificar-se a forma de “dar aula”, é uma necessidade urgente para que a aula não se confunda com catequismo, já que uma fala mecanizada, dotada de “poder de verdade” e que ainda seja “ilustrada com vídeos e figuras” será muito mais poderosa numa mente que não compreende como funciona a ciência.

Nesse sentido, o ensino de Método Científico e também da Filosofia se torna uma necessidade para ontem, já que é essa a fonte que nos permitirá pensar o pensamento capaz de desmistificar a ciência e compreender suas bases, o estudo da lógica é extremamente importante nesse sentido, assim como a observação. Não se ensina a pensar logicamente para transmitir conhecimento, usa-se o pensamento lógico para compreender o conhecimento. Enquanto não entendermos isso, continuaremos a produzir escolas que auxiliam o surgimento e o fortalecimento dos negadores da ciência.




Mais informações nesse vídeo sobre o tema:
https://www.youtube.com/watch?v=jlEVQOFUAxo

Sobre o aquecimento global:

Sobre criacionismo recomendo o Canal do Pirulla:
https://www.youtube.com/user/Pirulla25

Para quem quiser material de divulgação científica para sala de aula:
Quer que desenhe:
https://www.youtube.com/channel/UCYP-0Y1i-AXhT1aj10t5Qgg


quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Sobre a transformação das pessoas em números

Não é assunto recente, nem é de hoje que se fala que as pessoas têm sido tratadas como objetos. Temos que admitir, nossa sociedade é especialista nisso. Nos noticiários, no entretenimento, na publicidade e até mesmo nos relacionamentos, nos transformamos em “coisas” com uma qualidade que talvez nunca tenha sido vista.

E como coisas, podemos ser contados, manipulados e movidos ao bel-prazer. Mesmo que a gente mesmo não sinta prazer nenhum nisso. O prazer não foi feito para coisas, mas para pessoas e, nesse processo de desumanização, nós somos apenas dados. E o pior, dados para quem pagar melhor.

Tudo isso começou de forma discreta, alguns talvez nem tenham notado. Foi a estatística aquela que começou tudo, desde que passou a fazer sentido a informação de que os casais brasileiros tinham em média 2,39 filhos e passaram a ter 1,77 filhos. Perdemos a dimensão que não existe 0,39 pessoa e nem mesmo 0,77. Viramos números, e o pior, nem mesmo números inteiros, mas uma dízima que provavelmente transformou alguém em 40% dela mesmo, menos pior que agora transforma em 77% dela.

Como não se restringiria a estatística, a transformação em números envolveu logicamente, aquilo que o número mais significa na nossa sociedade o dinheiro. Pronto, aí acaba de vez a liberdade, quando viramos dinheiro, deixamos de ser. Seja no transporte: “transporta 1 milhão de pessoas por dia”, olha, falaram pessoas, mas ninguém pensa que os números escritos no ônibus de “número máximo de passageiros” não passa de um deboche enquanto você involuntariamente cheira o sovaco de alguém enquanto seu único pé no chão é esmagado pelo sapato de algum outro infeliz. E nesse amasso todo, você não sabe se é o 900 mil ou o 700 mil, a única coisa que sabe é que parece mais uma sardinha enlatada e ainda falta muito para chegar em casa. Mas, você é um número.

E aí, você vota, em um número que é eleito se tiver mais números votando nele do que em outra pessoa. Até aí nada demais, precisa-se arrumar uma forma de organizar as coisas e contar é uma delas, alguns dizem até que é relaxante. Mas eis que você também vira um número em lugares em que seria mais legal ser, sei lá, gente? Que lugares são esses? Hospitais, Escolas e muitos outros. Não seria legal se nesses lugares não tratassem as pessoas como índices, metas e velocidade? Imagina que interessante seria poder ser consultado sem uma meta de 4 pacientes por hora? Ou então sem uma sala de aula que tenha que ter um estudante por metro quadrado? Pode não parecer... Mas quando se vira número, se perde um pouco dos direitos.

E está nos nossos relacionamentos, o vizinho é o número do apartamento dele na reunião de condomínio. Assim, tem o cara do 1202 e a velha do 203. Com as redes sociais e sua contagem de amigos isso piorou e faz com que as pessoas levem ao pé da letra a poesia de Roberto Carlos e queiram “um milhão de amigos”. Parece que esquecem do que a Raposa disse ao Pequeno Príncipe sobre “ser eternamente responsável por aquilo que cativas”, sei lá, me parece uma responsabilidade muito grande ter um milhão de amigos... Mas como são números, ninguém vê muito problema e colecionam “likes” sem saber direito o que é curtir algo. Mas até aí, sem problema, cada um coleciona aquilo que lhe convém. A droga é que nessa brincadeira a gente vira número pro tal Mark e ele vende a gente! Claro, somos números, é só botar um cifrão na frente e viramos grana, como não pensar nisso? E a gente bobão achando que está abafando porque conseguimos fazer alguns outros números apertarem um botão (que foi feito com números, por outros números).

E aí afeta tudo, viramos “de maior” e “de menor” porque, afinal, o que importa são os números. E ao ser mandado embora, afeta aquele 0,00001% do desemprego que é insignificante para o país, mas não para os pais. E a discussão vira, tornar o “de menor” em um “de maior” mais cedo, mas onde estão as pessoas? Quem as engoliu na estatística.


Não entendam mal. Eu adoro a estatística, ela é útil, facilita muito as contas... Mas ela é isso, para contas, não para relacionamentos, é preciso não deixar que a nossa conversão em números nos tire a empatia pelo outro. Pelo encontro, por olhar um moleque de dezesseis anos e lembrar que já teve aquela idade, de entender que a dor do outro não é “só mais uma e tem muitos sofrendo também” e que, só talvez, aquele seu vizinho do 1202 tenha um nome e, quem sabe, até goste das mesmas coisas que você. Quando se trata tudo por números, a gente pode acabar virando aquela parte que some quando se arredonda. Convenhamos, ninguém quer ser fração. 

"A gente quer inteiro e não pela metade". Titãs.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Assédio Intelectual


Algo me inquieta e é cercado de um silêncio e um descaso incômodo. Já surgiu em Câmara de Veredores, na Câmara dos Deputados Federais e no Senado. O tal “assédio intelectual” mal se disfarça como censura e restrição ao livre pensar na prática educacional. Com argumentos que beiram a caça as bruxas da Ditadura Militar brasileira, diversos políticos começam a propor leis falando em “neutralidade politica” na escola. A questão se coloca ainda mais grave quando essa lei prevê prisão ao professor que se posicionar politicamente na escola. O argumento é grave pois ignora que todo posicionamento é político. Ao escolher falar em “neutralidade” isso pressupõe a validação e a aceitação do status quo, favorecendo o pensamento hegemônico e naturalizando qualquer análise crítica.

A suposição de uma neutralidade é um compromisso com os já emponderados, afinal, a pressuposição de que se pode ficar neutro envolve a crença em um equilíbrio de forças. Ficar neutro perante uma empresa que manda um trem atropelar um ser humano inconsciente é ser neutro realmente ou é tomar partido da empresa?

Nem é preciso citar que a ideia de neutralidade científica (que se importou para a neutralidade na educação) é um conceito do racionalismo mais arraigado, que preveem, entre outras coisas um procedimento que afaste o sujeito cognoscente do objeto, isolando-o. Hoje, seja no domínio das ciências sociais ou mesmo das ciências exatas, se sabe que o sujeito é atuante e importante na definição do objeto, afinal, é o sujeito que define o objeto e que o dota de características. Um exemplo para não falarmos só “cientifiquês”: - Plutão era um planeta, tratado como tal, logo, sua posição como objeto era dada como planeta. A partir da descoberta de outros objetos de mesma características, uma associação de astrônomos (sujeitos empoderados para a ciência) redefiniu Plutão como um planeta-anão, mudando suas características de objeto. Em ciências sociais isso talvez seja ainda mais fácil de ver: Quando se faz um recorte qualquer, digamos, população negra no Brasil. Haverá diversos métodos para definir “quem são os negros”, auto-identificação, identificação pelo entrevistador, dupla identificação, mas o fato é: A escolha do critério define quem será negro ou não, mas isso de fato define os negros do Brasil? Se outra pessoa usar outro critério ela estará errada?
Em educação, o mesmo ocorre, a concepção sobre escola e educação do professor é parte de sua prática e, consequentemente, de sua política. Assim, toda atuação em sala de aula compreende como o professor se posiciona frente aos estudantes. Sua postura em relação aos estudantes, a autonomia dada e as práticas colocadas. Isso é política. Ao não poder “falar” sobre o que pensa o que exatamente se pretende? Quando se coloca dados sobre mortalidade no Rio de Janeiro os dados devem ser só colocados e não se questionar porque os valores são maiores entre os jovens negros e pobres?

Quando negamos o posicionamento do professor, considerando que educa-se pelo exemplo, pede-se do estudante também a não escolha de posições. Parece óbvio que o professor não deve ter seu posicionamento como o “verdadeiro” e o “correto” e, pelo próprio contraditório que se faz uma escola (pela pluralidade de sujeitos que ali se encontram) e pela própria forma como se dá o processo de ensino-aprendizagem, alguém que tente impor sua verdade provavelmente conseguirá o efeito contrário. A concepção política se forma a partir da relação com o mundo e, na escola, o que se consegue são as ferramentas para se analisar esse mundo.

Analisamos o mundo a partir da forma como o concebemos e, essa concepção é fruto de nossa posição na estrutura do poder e da forma como a entendemos na sociedade. Não é o mesmo ser no mundo ser homem hétero ou ser uma mulher gay. Da mesma forma não é o mesmo ser no mundo ser professor e estudante nem mesmo ser professor de escolas de periferia ou professor de escolas de elite. As vivências, as experiências, as contradições e os círculos de informação são diferentes e complexos, acreditar que basta ser professor para ser ouvido é não ter entrado nunca dentro de uma sala de aula. A aula e todo processo educativo só se dá a partir da troca com os estudantes e, é nesse processo, que o estudante formula sua própria concepção do mundo. Ou alguém em sã consciência acredita que se professor fosse “tão poderoso” nós já não teríamos uma classe política formada por eles?

Então, o que se esconde por trás dessa proposta? Se não é o medo de cooptação, que parece óbvio, algum temor há. Apesar de todo o descaso, mal trato e mesmo certo desdém pela categoria, é fato que o respeito social ainda é grande. Além disso, o professor é o principal agente público em contato com uma vasta porção da sociedade, assim, sua inserção social é muito grande. Quando se pretende controlar e restringir o acesso à informação e ao conhecimento, a restrição da palavra do professor se torna importante. As recentes greves de professores que se espalharam pelo Brasil também demonstraram que, mesmo com a atuação criminalizante da mídia, a sociedade ainda valoriza e dá importância à luta salarial. Calar essa categoria portanto, é uma estratégia de afastamento social. É importante ainda ressaltar que a voz do professor é um contraponto oficial, isto é, sua fala é revestida de autoridade em questionar decisões tomadas por políticos que, muitas vezes, pretendem tomar suas crenças como verdades (e as fazem em forma de lei). E, mais que isso, permite ao estudante refletir sobre o assunto, em sala de aula é possível a construção contínua do conhecimento e não apenas digerir uma fala pasteurizada pronta, como as mídias oficiais costumam colocar, já ditando um especialista, na escola, a fala oficial pede pela voz do estudante.

Fica fácil imaginar que questões como sexualidade, desigualdades sociais, corrupção, tráfico de drogas e redução da maioridade penal facilmente entram no pantanoso terreno das “posições políticas”, assuntos extremamente importantes, que mexem com a vida da população, mas que passariam a não poder ser tratados em sala de aula, um ambiente onde o estudante pode elaborar seu pensamento e chegar a conclusões baseado na relação entre o conhecimento científico e a sua experiência.

Além disso, é importante pensar que grupos reacionários inclusive criticam propostas científicas como ideologias. Assim, aquecimento global, evolução das espécies e até mesmo a igualdade étnica deixam de ser passíveis de ser ensinadas na escola. Faz sentido?


É importante se colocar que num contexto em que se tenta argumentar que a Evolução é “só uma teoria”, essa política pode servir para incriminar até mesmo o professor que defender um argumento científico se porventura ele tiver a sanidade de argumentar em prol da validade do raciocínio científico (que, em teoria, seria o papel da escola). Como então ensinar se a própria validade do pensamento pode ser sujeita à prisão? Será que, ainda hoje, querem que aqueles que levam a reflexão tomem cicuta tal como Sócrates?

Gabriel Balardino