Não devemos nos enganar. O escândalo, o barulho do ENEM não é à toa.
Dizer que as questões são "tendenciosas" faz parte do mesmo pensamento que leva ao ataque contra os professores impetrados na lógica de que professores praticam "assédio ideológico" aos estudantes. Nessa lógica, conhecer autores, a pluralidade do pensamento e, pasmem, até os Direitos Humanos, torna-se um ato de "ideologização.
Não é por menos que o ataque se dá aos conteúdos ligados à sexualidade, à Cidadania e história de matriz africana, todos TEMAS TRANSVERSAIS e que fazem parte do currículo da Educação Básica no Brasil.
Temas que, diga-se de passagem, são abordados muito menos do que se deveria e com muito menos espaço no currículo e na escola do que o necessário para uma reflexão real e plural.
O "escândalo" feito, nada tem a ver com a postura crítica ao exame, perceba-se, ninguém nem mesmo CONTESTA a validade do exame, mas os conteúdos. Trata-se de uma busca por controlar o currículo e, consequentemente, aquilo que pode ser "dito ou não". Ao colocar como "questões de esquerda" não é uma polêmica que busca apenas deslegitimar à garantia de direitos e questões que abrangem pautas que se estendem por todo o espectro da política social com orientação para igualdade entre os seres humanos. Trata-se de criar o "monstro ideológico" que justifique a aprovação da lei ditatorial que se apresenta nos corredores do Congresso e que pode, na prática, encerrar o ensino de todas as Ciências Sociais na Escola (e até ameaçar teorias da Física e da Biologia, como Big Bang e Evolução).
Não há que se negar, toda educação e todo conteúdo É político e as questões colocadas no ENEM são conteúdos que, são sim, políticos, mas que orientam-se pelo princípio da IGUALDADE SOCIAL e pela leitura de fatos sociais. O primeiro princípio, se negado, não há porque manter-se a sociedade existente e, de fato, morre o sentido da escola. O segundo pressupõe a possibilidade de criação do novo que só se dá a partir do conhecimento do passado para que, seja pela contestação ou reforço, construa-se as possibilidades do novo.
A prova do ENEM está ganhando uma repercussão pelo que foi nela colocado sem contestação ao seu sentido "avaliativo". E essa repercussão, ainda que pareça movida por uma "raivinha", não tem nada de ingênua. E as consequências, podem ser nocivas para toda a sociedade.
Nós na Educação
Lugar para pensar sobre nós. Todos os "nós" possíveis
terça-feira, 27 de outubro de 2015
terça-feira, 1 de setembro de 2015
Pequenas reflexões sobre educação e afeto
Hoje
vou fazer um texto mais curto, pois é um tema que me aflige mais do
que me causa reflexão, não sei exatamente ainda como lidar e me
considero falho, talvez, seja exatamente por isso que estou falando.
Trata-se do afeto na relação professor-estudante.
Já
faz muitos anos que se fala que a educação é importante ferramenta
social que a relação entre professor e estudante é extremamente
importante no processo de ensino-aprendizagem, porém, em uma
sociedade com tanta dificuldade em se relacionar com o outro, a
escola também sofre com isso.
O
contato com o outro é feito recheado em medo, afastamento e pensando
em se proteger muito mais que se relacionar, isso sem contar com a
distância e a pressa que se baseiam nossa vida, limitando o
espaço-tempo do contato com o outro. Por tudo isso, a escola vai se
tornando um centro nevrálgico na vida de muitos jovens, lugar de
encontro e contato e, também, onde desenvolvem o afeto e se
relacionam, como nos lidamos com isso?
A
relação entre carinho e afeto na escola envolve necessariamente
pensar também a agressividade, uma contraparte que está relacionada
a relação que estabelece-se quando o afeto é pouco percebido. Como
lidamos com a agressividade estudantil? O quão agressivos somos com
os estudantes e o quão afetuosos somos?
É
fácil notar entre os estudantes que mais buscam o tapa e as
agressões traços que indicam socorro, a vontade de falar que muitas
vezes calamos ao afastá-los de nós e respondermos dura e secamente.
Estudantes que precisam e necessitam de um abraço, um afago e uma
palavra. Mas esse é nosso papel? Muitas vezes o estudante magoa,
fere e machuca, não só os estudantes, mas também o professor, como
transformar uma relação dessa em uma relação de cumplicidade?
Mais
uma vez, há coisas a alterarmos na nossa prática, o abraço, o
carinho e até mesmo a bronca (que não pode ser só gritos
enlouquecidos) devem ser práticas do professor tanto quanto o
conteúdo, a condução do processo de ensino-aprendizagem e a busca
por práticas transformadoras. Nisso batemos em muitos muros, seja na
doença social que teme qualquer contato físico, transformando-o em
ato libidinoso, seja pelo escasso tempo que se dispõe para trabalhar
com cada estudante e pelo número incrivelmente alto de estudantes
que os professores costumam trabalhar, sendo comum professores com
mais de 200 estudantes no segundo seguimento do Ensino Fundamental.
As
consequências são óbvias, os estudantes não possuem referência
nos professores, aqueles que vem para o sexto ano (na rede municipal
do Rio de Janeiro) sentem a falta de um professor que os conheça
mais profundamente, afinal, tinham um professor que os via
diariamente e agora tem professores que se revezam em algumas poucas
horas por semana. Assim, como desenvolver uma relação mais profunda
e de confiança? Como se não bastasse, esses professores trabalham
em diversas turmas, tendo pouca capacidade de individualizar a
atenção e perceber os detalhes e especificidade de cada estudante
e, sem um conhecer o outro, como desenvolver o afeto?
Confesso
que essa é uma dificuldade que ainda me debato todos os dias, o fato
de morar próximo aos estudantes me permite um contato diferenciado,
encontro-os nos fins de semana pela rua, na padaria e em pontos de
ônibus, que se reflete também em uma postura que normalmente é
amistosa e até bastante próxima dos estudantes, porém, lidar com o
estresse profissional e o desafio de lidar com estudantes plurais,
ativos e um espaço confinado que por vezes se transforma em “prisão”
envolve complicações no próprio trato. Nosso trabalho envolve um
contato que sempre exige de nossa empatia e vincula com a compreensão
dos dilemas particulares de cada estudante. Algo que se vincula
diretamente à atividades psicológicas e de assistência social,
muitas vezes inexistentes na escola e proximidades.
Nesse
cenário, sei que uma maior aproximação professor estudante depende
fundamentalmente de um maior tempo de convívio e, em muitos casos, a
presença de outros profissionais capazes de dar o suporte
psicológico e social que se precisa para desenvolver a prática
educacional.
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
Sobre as nossas práticas e nossas reflexões
Hoje
vou fazer uma crítica ao trabalho docente no Brasil, talvez algo que
seja fruto de certo pensamento estabelecido de “sacerdócio” ou
mesmo por acharmos tão corriqueiro que não dignamos a notar o que
fazemos. Somos discretos demais.
Explico,
cada dia de trabalho, cada conversa com colega, vejo surgirem,
acontecerem e se realizarem diversas atividades e projetos dentro da
escola. São ideias gestadas pelos profissionais e estudantes que
logo se realizam e se concretizam em aulas, intervenções e
trabalhos. Ideias que surgem ali e, muitas vezes, nem chegam ao
conhecimento de ninguém. Tal cenário leva ao desconhecimento das
atividades feitas dentro da escola e, em muitos casos, ao pensamento
de que “nada mudou”.
Ainda
que devido à estrutura da escola e da forma como funciona algumas
coisas de fato se manterem, as transformações ocorridas dentro da
escola são visíveis para quem está em seu cotidiano e talvez seja
esse o problema, só estão visíveis para quem lá está. A escola,
como grande parte das instituições hoje em dia, sofre de
dificuldade em se fazer ouvir no contexto social e, assim, muito do
que ocorre nela fica nela. Mas isso deve ser revertido.
Recentemente
uma experiência de grande importância na minha trajetória
acadêmica e profissional demonstrou o quanto a nossa prática e
nossas experimentações práticas (afinal, não é de experimentação
que se faz a ciência) produzem resultados admiráveis e potentes,
capazes de gerar comoção e certo apreço na comunidade científica.
A realidade é: O que fazemos, nossas práticas e nossas ações são
produção de conhecimento novo, calcado em substancialidade e que
pode trazer novamente o vigor acadêmico para a escola, aumentando o
número de sujeitos em nossas lutas e quem sabe, fazendo a educação
ser mais transformadora.
Hoje
o texto é um convite, vamos escrever, fotografar, filmar. Mostrar ao
mundo as coisas que apaixonam nossos estudantes, pois cotidianamente
criamos e produzimos materiais apaixonantes que ficam restritos a
nossas salas de aula ou nossas escolas, resultando em pouco impacto
no pensamento sobre a educação e abrindo espaço para os discursos
de que “não se faz ada na escola”. Nossas feiras científicas,
os trabalhos que desenvolvemos, jogos e brincadeiras que criamos
simplesmente por estar em contato com os estudantes e que para nós
são simples detalhes ou momentos corriqueiros configuram, muitas
vezes, em atividades de ensino-aprendizagem ricas e criativas, que
demonstram o potencial dos estudantes e da educação na
transformação dos sujeitos ali presentes, seja pela valorização
do potencial dos estudantes e do professor seja pelo empoderamento
dado a eles no processo de produção do conhecimento.
É
comum (e real) a desqualificação da fala do professor em espaços
acadêmicos. Nossa fala não tem o mesmo peso de doutores docentes em
universidades e nossa experiência muitas vezes padece de
repercussão. A quantidade de livros, textos e artigos que procuram
dizer “Como dar uma boa aula” ou “Como conquistar seu
estudante” e coisas do gênero faz parecer que a prática docente
pode ser ditada como um livro de auto-ajuda. O menosprezo aos
profissionais que escolheram fazer da Educação Básica uma área de
atuação se instala pela associação imediata que é feita entre
remuneração e qualidade profissional e, sendo a Educação Básica
“mau remunerada” torna-se uma percepção comum compreender que,
claramente, serão maus profissionais ou, no mínimo, desinteressados
e desestimulados.
Ainda
que hajam momentos de frustração e revolta e que a depressão seja
um problema real que aflige a classe dos professores, a realidade é
que escola nenhuma se sustentaria sem ao menos três ou quatro
grandes momentos por ano, capazes de produzir um momento catalisador
e criativo envolvendo alguns professores e estudantes. E convenhamos,
em uma atividade de caráter rotineiro ter três ou quatro atividades
de destaque por ano é algo realmente significativo. E talvez o fato
de não percebermos nem sermos percebidos por isso colabora em nosso
processo de adoecimento mental.
Por
fim, nós estamos em um espaço rico, em contato com jovens distintos
e com gostos variados, a possibilidade e potencialidades de pesquisa
que podem ser realizadas ali vão muito além do que se pode imaginar
em outros espaços. Nossa experiência e nossa experimentação são
significativas e colocam muito dos limites e possibilidades daquilo
que só se pode imaginar nos espaços de reflexão e elaboração
montados nas Universidades, Centros de Pesquisa e Institutos.
Nós
fazemos ciência em sala de aula e, mais que isso, somos mais de
trinta pessoas pensando sobre problemas e criando possibilidades de
produção do novo e fazemos isso, muito mais vezes do que
percebemos. Precisamos falar para que, ao menos se insistirem em não
nos ouvirem, aí o erro será só de quem não nos ouvem.
Já que querem nos dizer "o que devemos fazer" vamos mostrar aquilo que estamos fazendo e cobrar a estrutura, tempo, espaço e apoio para realizarmos muito mais do que o muito que estamos sim realizando a cada dia.
terça-feira, 18 de agosto de 2015
Para que(m) serve a escola?
A
compreensão da escola como uma fábrica de resultados, buscando
índices e aprovações ignora todo componente humano presente ali.
Em essência, a escola não serve como espaço de treinamento, mas
sim como espaço de aprendizado e, como tal, precisa compreender a
diversidade que envolve todo processo de produção do conhecimento,
compreendendo os estudantes a partir de sua posição enquanto
sujeitos e, dessa forma, compreendendo que nenhuma escola é igual a
outra, assim como nenhum sujeito é igual a outro sujeito.
A
compreensão da particularidade da escola é um dos grandes desafios
a se pensar quando queremos de fato refletir sobre o papel da escola
e de sua educação. Afinal, é a mesma coisa uma escola em um centro
urbano e em uma zona rural? E uma escola em uma área favelizada e
uma área enriquecida? Essa percepção joga areia nos planos e
metas que buscam tratar todas as escolas como a mesma coisa, pois se
cada escola tem suas particularidades não é pela comparação
externa que se pode julgá-las.
Quem
terá a autoridade para dizer como deve ou não funcionar uma escola
são os seus integrantes. Nenhuma avaliação ou agente externo pode
ser o “determinador” que dirá o melhor ou pior para uma escola.
Sem a sua vivência e sem ouvir os que as integram qualquer projeto
que queira dizer como “deve funcionar” a escola revela em si uma
imposição ditatorial e antipedagógica.
A
melhor forma de se compreender e avaliar uma escola é a partir de
seu projeto político-pedagógico (o PPP), elemento hoje reduzido a
um compromisso burocrático, mas que é elemento central em uma
escola integrada ao seu entorno. Tentar reduzir um compromisso de
construção de sociedade a uma prova de múltipla escolha é limitar
o horizonte de possibilidade de transformação. E é o PPP que seria
então o responsável por definir a escola e seu papel. Afinal, quais
serão os projetos prioritários em determinada escola? O que desejam
seus estudantes e profissionais de educação? Como tornar os
responsáveis parte atuantes do cotidiano escolar?
A
crença em respostas únicas ou em manuais prontos para “como fazer
(escolha qualquer coisa)” dificulta a compreensão de que, em
tratativas coletivas, como é o processo de aprendizagem, apenas o
diálogo e a troca entre os envolvidos, com a clareza dos objetivos a
serem atingidos é que pode formular um ambiente real de criação e
transformação.
Tendo
em si o lugar do conhecimento consolidado pela humanidade, as
bandeiras da escola devem pregar pelas artes, pelos esportes, pelas
ciências e pela democracia. É inegável que temos dificuldades de
fazer qualquer dessas dimensões se manifestar na escola com
qualidade. Isso passa muitas vezes pela dificuldade de se estabelecer
canais de comunicação dentro do ambiente escolar. Num processo em
que o contato é reduzido à sala de aula e os profissionais se veem
de passagem, sem tempo efetivo para pensar processos e projetos de
forma coletiva.
Uma
escola que não se coloca nem no diálogo entre profissionais de
educação e nem entre estudantes veicula exatamente que tipo de
valores? Para que(m) serve essa escola que está posta? A
discordância do projeto de escola vigente não pode passar pela
prática individual. Uma escola se constrói como comunidade e, mudar
o que está posto exige, principalmente, mudar a forma como se
compreende a relação com o outro, seja ele estudante ou
profissional da educação, entendendo todos como sujeitos plenos e
em permanente processo de construção de si.
É
importante se construir a escola a partir dos sujeitos que lá estão.
Para
uma escola que deixe de ser um serviço, e se torne um "servivo".
terça-feira, 11 de agosto de 2015
Sobre os negadores da ciência e a escola
Já
tem algum tempo que venho me preocupando com os grupos que contestam
avanços científicos. O último que me chamou a atenção foi um
grupo que defende que a Terra seria plana e que todo avanço
científico seria para afirmar isso como verdade e que tal
empreendimento de afirmar que a Terra é redonda é só para enganar
as pessoas em prol de “algo maior”.
Os
argumentos, todos dotados de pseudo-ciência e com erros crassos
(como ignorar toda a ciência da Cartografia, a necessidade de uso de
datum para a correção de medidas em imagens e mesmo conceitos
simples de física, como inércia, atrito e, acredite, gravidade,
seduzem algumas pessoas que, de fato, aceitam que “talvez isso
tenha algum sentido”.
Outros
exemplos, como o aquecimento global, que hoje inclusive já mobiliza
um debate televisivo como se houvesse um “debate científico”,
quando na realidade o grupo que critica o aquecimento global é bem
restrito, se apoia em pesquisas antigas e francamente apoiadas por
empresas de petróleo e combustível. O derretimento das calotas e os
inúmeros dados que mostram o aquecimento, por outro lado, são
tratados como “distorções” e “leviandades”.
Existe
ainda o famoso e cada vez mais comum exemplo, o criacionismo que com
um apoio fortemente calcado nas religiões cristãs, cresce e tenta
se impor como conhecimento “científico”. Entre suas
argumentações está o fato de que a humanidade tem apenas seis mil
anos e de que a Terra foi criada em sete dias, sendo os dados da
ciência falsos ou errôneos, especialmente a Evolução das espécies
que é apresentada de forma caricata e incompleta pelos defensores do
criacionismo.
Mas
o que todos esses casos têm em comum? Em primeiro lugar, a negação
do conhecimento científico como falso e, mais grave, a afirmação
de que os cientistas mentem deliberadamente. Em segundo lugar se
apoiam em explicações que não se sustentam em pesquisas nem em
experimentos repetíveis. Por fim, apoiam-se em explicações muito
exclusivas e específicas em cada caso para formar a base de sua
argumentação sem a reflexão dos porquês envolvidos.
Esses
aspectos preocupam quando falamos em educação. Penso que a educação
deve ter como uma de suas preocupações o avanço do método e do
pensamento científico. Tais falácias e pseudo-ciências não
crescem pelo acaso, elas se criam no vácuo deixado pelo pouco
conhecimento do funcionamento da ciência, que leva à fantasia de
que o conhecimento científico é efetuado por “cientistas loucos”
que maquinam em congressos forma de enganar as pessoas. Será que
realmente estamos ensinando Ciência na escola? E quando digo
ciência, falo das metodologias, técnicas e debates epistemológicos
que se colocam no desenvolvimento de uma teoria e na formulação das
diferentes propostas.
Quando
a ciência parece um mistério, abre margens para a imaginação e a
criatividade agirem e transformarem aqueles que vociferam frases
enigmáticas como conspiradores, capazes de manipular a realidade ao
seu bel-prazer (lembrem-se, já queimamos curandeiras simplesmente
porque não entendíamos o que elas estavam fazendo). Transformar a
ciência em um conhecimento acessível envolve ensinar como ela
funciona e isso pode ser revolucionário não só para a escola, mas
para a sociedade em geral.
Imagine
equipes de botânica, agroecologia, pesquisas sociais, observação
espacial, análise de fluxo de veículos que sejam compostas por 30,
40 observadores em cada bairro, todas essas acompanhadas por um
cientista qualificado? Que tipo de análises poderiam ser feitas? A
capacidade de chegar na escala local pela escola abriria a
possibilidade de relacionar de fato as grandes teorias com o
cotidiano, assim como gerar conhecimento significante para os
estudantes.
Nossa
preocupação em gerar um conhecimento “já pronto” por vezes
ignora os potenciais de um conhecimento a ser descoberto, nada como
“descobrir” a força centrípeta em jogando um ioiô ou mesmo
dando um chute de trivela, ou então perceber que ao olhar pro céu
podemos também fazer previsões e que, olhar de satélite pode ser
entendido como “conseguir olhar mais pedaços do céu ao mesmo
tempo”. Ao mesmo tempo, um certo afastamento da universidade e da
sociedade em geral há um grande abismo que faz com que a divulgação
científica seja precariamente desenvolvida, surgindo esporadicamente
um ou outro divulgador de mais relevância de tempos em tempos.
Ao
mesmo tempo, acostumamo-nos com não “buscar” o conhecimento, mas
a esperar que eles cheguem pronto e, nesse ponto, a escola é sim uma
grande culpada. Ao dividirmos a escola entre “professadores” e
seres sem luz, acostumamos os sujeitos a aceitarem a voz de qualquer
pessoa que seja “emponderada”. E aí entra o mais perigoso, basta
um título (ou as vezes até mesmo uma boa retórica) para que a fala
seja aceita como “verdadeira”, afinal, tem alguém professando
aquilo.
Precisa-se,
portanto, modificar-se a forma de “dar aula”, é uma necessidade
urgente para que a aula não se confunda com catequismo, já que uma
fala mecanizada, dotada de “poder de verdade” e que ainda seja
“ilustrada com vídeos e figuras” será muito mais poderosa numa
mente que não compreende como funciona a ciência.
Nesse
sentido, o ensino de Método Científico e também da Filosofia se
torna uma necessidade para ontem, já que é essa a fonte que nos
permitirá pensar o pensamento capaz de desmistificar a ciência e
compreender suas bases, o estudo da lógica é extremamente
importante nesse sentido, assim como a observação. Não se ensina a
pensar logicamente para transmitir conhecimento, usa-se o pensamento
lógico para compreender o conhecimento. Enquanto não entendermos
isso, continuaremos a produzir escolas que auxiliam o surgimento e o
fortalecimento dos negadores da ciência.
Sobre o aquecimento
global:
Sobre criacionismo recomendo o Canal do Pirulla:
https://www.youtube.com/user/Pirulla25
Para quem quiser material de divulgação científica para sala de aula:
Quer que desenhe:
https://www.youtube.com/channel/UCYP-0Y1i-AXhT1aj10t5Qgg
Para quem quiser material de divulgação científica para sala de aula:
Quer que desenhe:
https://www.youtube.com/channel/UCYP-0Y1i-AXhT1aj10t5Qgg
Canal
Nerdologia:
https://www.youtube.com/channel/UClu474HMt895mVxZdlIHXEA
https://www.youtube.com/channel/UClu474HMt895mVxZdlIHXEA
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Sobre a transformação das pessoas em números
Não
é assunto recente, nem é de hoje que se fala que as pessoas têm
sido tratadas como objetos. Temos que admitir, nossa sociedade é
especialista nisso. Nos noticiários, no entretenimento, na
publicidade e até mesmo nos relacionamentos, nos transformamos em
“coisas” com uma qualidade que talvez nunca tenha sido vista.
E
como coisas, podemos ser contados, manipulados e movidos ao
bel-prazer. Mesmo que a gente mesmo não sinta prazer nenhum nisso. O
prazer não foi feito para coisas, mas para pessoas e, nesse processo
de desumanização, nós somos apenas dados. E o pior, dados para
quem pagar melhor.
Tudo
isso começou de forma discreta, alguns talvez nem tenham notado. Foi
a estatística aquela que começou tudo, desde que passou a fazer
sentido a informação de que os casais brasileiros tinham em média
2,39 filhos e passaram a ter 1,77 filhos. Perdemos a dimensão que
não existe 0,39 pessoa e nem mesmo 0,77. Viramos números, e o pior,
nem mesmo números inteiros, mas uma dízima que provavelmente
transformou alguém em 40% dela mesmo, menos pior que agora
transforma em 77% dela.
Como
não se restringiria a estatística, a transformação em números
envolveu logicamente, aquilo que o número mais significa na nossa
sociedade o dinheiro. Pronto, aí acaba de vez a liberdade, quando
viramos dinheiro, deixamos de ser. Seja no transporte: “transporta
1 milhão de pessoas por dia”, olha, falaram pessoas, mas ninguém
pensa que os números escritos no ônibus de “número máximo de
passageiros” não passa de um deboche enquanto você
involuntariamente cheira o sovaco de alguém enquanto seu único pé
no chão é esmagado pelo sapato de algum outro infeliz. E nesse
amasso todo, você não sabe se é o 900 mil ou o 700 mil, a única
coisa que sabe é que parece mais uma sardinha enlatada e ainda falta
muito para chegar em casa. Mas, você é um número.
E
aí, você vota, em um número que é eleito se tiver mais números
votando nele do que em outra pessoa. Até aí nada demais, precisa-se
arrumar uma forma de organizar as coisas e contar é uma delas,
alguns dizem até que é relaxante. Mas eis que você também vira um
número em lugares em que seria mais legal ser, sei lá, gente? Que
lugares são esses? Hospitais, Escolas e muitos outros. Não seria
legal se nesses lugares não tratassem as pessoas como índices,
metas e velocidade? Imagina que interessante seria poder ser
consultado sem uma meta de 4 pacientes por hora? Ou então sem uma
sala de aula que tenha que ter um estudante por metro quadrado? Pode
não parecer... Mas quando se vira número, se perde um pouco dos
direitos.
E
está nos nossos relacionamentos, o vizinho é o número do
apartamento dele na reunião de condomínio. Assim, tem o cara do
1202 e a velha do 203. Com as redes sociais e sua contagem de amigos
isso piorou e faz com que as pessoas levem ao pé da letra a poesia
de Roberto Carlos e queiram “um milhão de amigos”. Parece que
esquecem do que a Raposa disse ao Pequeno Príncipe sobre “ser
eternamente responsável por aquilo que cativas”, sei lá, me
parece uma responsabilidade muito grande ter um milhão de amigos...
Mas como são números, ninguém vê muito problema e colecionam
“likes” sem saber direito o que é curtir algo. Mas até aí, sem
problema, cada um coleciona aquilo que lhe convém. A droga é que
nessa brincadeira a gente vira número pro tal Mark e ele vende a
gente! Claro, somos números, é só botar um cifrão na frente e
viramos grana, como não pensar nisso? E a gente bobão achando que
está abafando porque conseguimos fazer alguns outros números
apertarem um botão (que foi feito com números, por outros números).
E
aí afeta tudo, viramos “de maior” e “de menor” porque,
afinal, o que importa são os números. E ao ser mandado embora,
afeta aquele 0,00001% do desemprego que é insignificante para o
país, mas não para os pais. E a discussão vira, tornar o “de
menor” em um “de maior” mais cedo, mas onde estão as pessoas?
Quem as engoliu na estatística.
Não
entendam mal. Eu adoro a estatística, ela é útil, facilita muito
as contas... Mas ela é isso, para contas, não para relacionamentos,
é preciso não deixar que a nossa conversão em números nos tire a
empatia pelo outro. Pelo encontro, por olhar um moleque de dezesseis
anos e lembrar que já teve aquela idade, de entender que a dor do
outro não é “só mais uma e tem muitos sofrendo também” e que,
só talvez, aquele seu vizinho do 1202 tenha um nome e, quem sabe,
até goste das mesmas coisas que você. Quando se trata tudo por
números, a gente pode acabar virando aquela parte que some quando se
arredonda. Convenhamos, ninguém quer ser fração.
"A gente quer inteiro e não pela metade". Titãs.
terça-feira, 4 de agosto de 2015
Assédio Intelectual
Algo
me inquieta e é cercado de um silêncio e um descaso incômodo. Já
surgiu em Câmara de Veredores, na Câmara dos Deputados Federais e
no Senado. O tal “assédio intelectual” mal se disfarça como
censura e restrição ao livre pensar na prática educacional. Com
argumentos que beiram a caça as bruxas da Ditadura Militar
brasileira, diversos políticos começam a propor leis falando em
“neutralidade politica” na escola. A questão se coloca ainda
mais grave quando essa lei prevê prisão ao professor que se
posicionar politicamente na escola. O argumento é grave pois ignora
que todo posicionamento é político.
Ao escolher falar em
“neutralidade” isso pressupõe a validação e a aceitação do
status quo,
favorecendo o pensamento hegemônico e naturalizando qualquer análise
crítica.
A
suposição de uma neutralidade é um compromisso com os já
emponderados, afinal, a pressuposição de que se pode ficar neutro
envolve a crença em um equilíbrio de forças. Ficar neutro perante
uma empresa que manda um trem atropelar um ser humano inconsciente é
ser neutro realmente ou é tomar partido da empresa?
Nem
é preciso citar que a ideia de neutralidade científica (que se
importou para a neutralidade na educação) é um conceito do
racionalismo mais arraigado, que preveem, entre outras coisas um
procedimento que afaste o sujeito cognoscente do objeto, isolando-o.
Hoje, seja no domínio das ciências sociais ou mesmo das ciências
exatas, se sabe que o sujeito é atuante e importante na definição
do objeto, afinal, é o sujeito que define o objeto e que o dota de
características. Um exemplo para não falarmos só “cientifiquês”:
- Plutão era um planeta, tratado como tal, logo, sua posição como
objeto era dada como planeta. A partir da descoberta de outros
objetos de mesma características, uma associação de astrônomos
(sujeitos empoderados para a ciência) redefiniu Plutão como um
planeta-anão, mudando suas características de objeto. Em ciências
sociais isso talvez seja ainda mais fácil de ver: Quando se faz um
recorte qualquer, digamos, população negra no Brasil. Haverá
diversos métodos para definir “quem são os negros”,
auto-identificação, identificação pelo entrevistador, dupla
identificação, mas o fato é: A escolha do critério define quem
será negro ou não, mas isso de fato define os negros do Brasil? Se
outra pessoa usar outro critério ela estará errada?
Em
educação, o mesmo ocorre, a concepção sobre escola e educação
do professor é parte de sua prática e, consequentemente, de sua
política. Assim,
toda atuação em sala de aula compreende como o professor se
posiciona frente aos estudantes. Sua postura em relação aos
estudantes, a autonomia dada e as práticas colocadas. Isso é
política. Ao não poder “falar” sobre o que pensa o que
exatamente se pretende? Quando se coloca dados sobre mortalidade no
Rio de Janeiro os dados devem ser só colocados e não se questionar
porque os valores são maiores entre os jovens negros e
pobres?
Quando negamos o posicionamento do professor, considerando que educa-se pelo exemplo, pede-se do estudante também a não escolha de posições. Parece óbvio que o professor não deve ter seu posicionamento como o “verdadeiro” e o “correto” e, pelo próprio contraditório que se faz uma escola (pela pluralidade de sujeitos que ali se encontram) e pela própria forma como se dá o processo de ensino-aprendizagem, alguém que tente impor sua verdade provavelmente conseguirá o efeito contrário. A concepção política se forma a partir da relação com o mundo e, na escola, o que se consegue são as ferramentas para se analisar esse mundo.
Analisamos o mundo a partir da forma como o concebemos e, essa concepção é fruto de nossa posição na estrutura do poder e da forma como a entendemos na sociedade. Não é o mesmo ser no mundo ser homem hétero ou ser uma mulher gay. Da mesma forma não é o mesmo ser no mundo ser professor e estudante nem mesmo ser professor de escolas de periferia ou professor de escolas de elite. As vivências, as experiências, as contradições e os círculos de informação são diferentes e complexos, acreditar que basta ser professor para ser ouvido é não ter entrado nunca dentro de uma sala de aula. A aula e todo processo educativo só se dá a partir da troca com os estudantes e, é nesse processo, que o estudante formula sua própria concepção do mundo. Ou alguém em sã consciência acredita que se professor fosse “tão poderoso” nós já não teríamos uma classe política formada por eles?
Então,
o que se esconde por trás dessa proposta? Se não é
o medo de cooptação, que parece óbvio, algum temor há. Apesar de
todo o descaso, mal trato e mesmo certo desdém pela categoria, é
fato que o respeito social ainda é grande. Além disso, o professor
é o principal agente público em contato com uma vasta porção da
sociedade, assim, sua inserção social é muito grande. Quando se
pretende controlar e restringir o acesso à informação e ao
conhecimento, a restrição da palavra do professor se torna
importante. As recentes greves de professores que se espalharam pelo
Brasil também demonstraram que, mesmo com a atuação criminalizante
da mídia, a sociedade ainda valoriza e dá importância à luta
salarial. Calar essa categoria portanto, é uma estratégia de
afastamento social. É importante ainda ressaltar que a voz do
professor é um contraponto oficial,
isto é, sua fala é revestida de autoridade em questionar decisões
tomadas por políticos que, muitas vezes, pretendem tomar suas
crenças como verdades (e as fazem em forma de lei). E,
mais que isso, permite ao estudante refletir
sobre o assunto, em sala de aula é possível a construção contínua
do conhecimento e não apenas digerir uma fala pasteurizada pronta,
como as mídias oficiais costumam colocar, já ditando um
especialista, na escola, a fala oficial
pede pela voz do estudante.
Fica
fácil imaginar que questões como sexualidade, desigualdades
sociais, corrupção, tráfico de drogas e redução da maioridade
penal facilmente entram no pantanoso terreno das “posições
políticas”, assuntos extremamente importantes, que mexem com a
vida da população, mas que passariam a não poder ser tratados em
sala de aula, um ambiente onde o estudante pode elaborar seu
pensamento e chegar a conclusões baseado na relação entre o
conhecimento científico e a sua experiência.
Além
disso, é importante pensar que grupos reacionários inclusive
criticam propostas científicas como ideologias. Assim, aquecimento
global, evolução das espécies e até mesmo a igualdade étnica
deixam de ser passíveis de ser ensinadas na escola. Faz sentido?
É
importante se colocar que num contexto em que se tenta argumentar que
a Evolução é “só uma teoria”, essa política pode servir para
incriminar até
mesmo o professor que defender um argumento científico
se porventura ele tiver a sanidade de argumentar em prol da validade
do raciocínio científico (que, em teoria, seria o papel da escola).
Como então ensinar se a própria validade do pensamento pode ser
sujeita à prisão? Será que, ainda hoje, querem que aqueles que
levam a reflexão tomem cicuta tal como Sócrates?
Gabriel Balardino
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